Clama a mim, e responder-te-ei, e anunciar-te-ei coisas grandes e ocultas, que não sabes. (Jeremias 33:03)

sábado, 9 de junho de 2012

RIDÍCULAS GARGALHADAS


Meu primeiro emprego foi em uma pequena empresa de engenharia, e foi lá que conheci e tornei-me amigo de um rapaz chamado Mauro. Ele era grandalhão e forte, e tinha uma péssima mania de fazer brincadeiras de mau-gosto com os outros. Quase todos os dias, arquitetava e pregava pequenas "peças" nas pessoas ali da empresa. Como eu era novo na época, gostava daquilo (e ao me tornar amigo dele, me livrei de ser uma de suas vítimas). Havia também ali o Ernani, que era um pouco mais velho que o resto do grupo, e bem diferente de todos nós. Sempre quieto, inofensivo e compenetrado, buscava sempre estar só, e costumava comer suas refeições em separdo, sempre nos cantos do refeitório...
Ernani nunca participava das brincadeiras que fazíamos após o almoço, sendo que, ao terminar sua refeição, se refugiava debaixo de uma velha árvore mais distante, no pátio. Devido a esse seu comportamento, passou a ser o alvo natural das brincadeiras e piadas do grupo. Era muito comum ele encontrar sapo ou rato morto em sua marmita, ou bagaço e cascas de frutas em sua mochila (e o que era mais incrível e que ele sempre aceitava tudo aquilo sem transparecer que estava bravo e também sem proferir um só reclame).
Em um determinado feriado prolongado, Mauro resolveu ir pescar no Pantanal, e prometeu-nos que, iria repartir o resultado de sua pesca com todos nós. No seu retorno, estávamos todos animados, pois vimos que ele havia pescado bastante dourados, enormes. Mauro, entretanto, levou-nos para um canto e nos disse que tinha preparado uma boa peça para aplicar no Ernani. Ou seja, ele havia dividido os peixes em pacotes com uma boa porção para cada um de nós, e para o Ernani ele havia separado os restos dos peixe num pacote maior. "Vai ser muito engraçado quando o Ernani desembrulhar o pacote e encontrar somente espinhas, peles e vísceras de dourados", disse nos Mauro, que já se divertia muito com aquilo, antecipadamente.
Mauro então distribuiu os pacotes no horário do almoço. Cada um de nós que ia recebendo e abrindo o seu pacote, dizia: "Obrigado!". Mas o maior pacote de todos, ele deixou por último. Era o de Ernani. Todos nós já estávamos quase explodindo de vontade de rir. Ernani, que havia sentado conosco nesse dia, recebeu então o seu, e todos ficamos na expectativa do que estava para acontecer. Aquele homem não era o tipo de muitas palavras. Ele falava tão pouco que, muitas vezes, nem se percebia que ele estava por perto, por isso, o que aconteceu a seguir nos pegou de surpresa. Ele pegou o pacote firmemente nas mãos e o levantou devagar, com um grande sorriso no rosto. Foi então que notamos que seus olhos brilhava.
Por alguns momentos, o seu pomo-de-adão se moveu para cima e para baixo, até conseguir controlar sua emoção, e então disse, olhando para o Mauro: "Eu sabia que você não ia se esquecer de mim", estava com a voz embargada, mas continuou: "Você é grandalhão e gosta de fazer certas brincadeiras, mas sempre soube que você tem um bom coração". Engoliu em seco novamente, e continuou falando, dessa vez para todos nós: "Eu sei que não tenho sido muito participativo com vocês, mas nunca foi por má intenção. Sabe... eu tenho cinco filhos em casa, e uma esposa inválida, que há quatro anos está entrevada em cima da cama. Sei que ela nunca mais vai melhorar. Às vezes, quando ela passa mal e que tem crises, eu tenho que ficar a noite inteira acordado, cuidando dela.
E a maior parte do meu salário tem sido para os médicos e para os seus remédios. As crianças fazem o que podem para ajudar, mas tem sido difícil colocar comida para todos em nossa mesa. Vocês talvez possam até achar esquisito que eu vá comer o meu almoço sozinho, num canto... Bem, é que eu fico meio envergonhado, porque na maioria das vezes eu não tenho nada para pôr além do arroz... Hoje eu me sinto muito feliz e quero que vocês saibam que essa porção de peixe representa muito para mim, provavelmente muito mais do que para qulquer um de vocês, porque hoje à noite os meu filhos terão...", ele limpou as lágrimas dos olhos com as costas das mãos.
"Hoje à noite os meus filhos vão ter, realmente, depois de alguns anos..." e ele começou a abrir o pacote... Instantâneamente olhamos para ver a reação do Mauro, ele estava numa aflição só, e então saiu de seu lugar e tentou pegar o pacote das mãos do Ernani. Mas era tarde demais. ernani já tinha aberto o embrulho e examinado cada pedaço de espinha, cada porção de pele e de vísceras... Era para ter sido tão engraçado, mas ninguém riu. Todos nós ficamos olhando para baixo, evergonhados... Mas a pior parte mesmo (e que nos doeu mais em remorso) foi quando Ernani, tentando sorrir, falou a mesma coisa que todos nós havíamos dito anteriormente: "Obrigado!".
Em silêncio, todos nós, um a um, pegamos os nossos pacotes e os colocamos na frente do Ernani, porque depois de muitos anos nós havíamos, de repente, entendido quem era realmente aquele moço.
Uma semana depois, a esposa de Ernani faleceu. Cada um de nós, daquele grupo, passou então a ajudar as cinco crianças por muito tempo, até que elas se formassem, e todas elas são bem sucedidas hoje.
Mauro (que naquele inóspito dia teve sua maior lição de vida), agora já está aposentado (assim como todos os demais), e ele continua fazendo brincadeiras com os outros, entretanto, são de um tipo muito diferente: ele organiza grupos de voluntários que distribuem brinquedos para crianças hospitalizadas e em orfanatos e as entretêm com jogos, histórias e palhaçadas...
Registro aqui um sábio conselho de Jesus: "Como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros" (João 13: 34)
Cícer Volney
cicerovolneyalves@hotmail.com
ICEJ - Igreja Cristã Evangélica no Jabour
Vitória - Es